Roberta Machado Boniolo
Umbanda;Portugal;Práticas religiosas;Espaço público;Diversidade Religiosa
Até algumas décadas atrás ser católico era a identidade religiosa da maioria dos portugueses. O catolicismo era parte da vivência familiar, da representação social e da paisagem urbana, que progressivamente foi deixando de ser uma religião obrigatória para dar espaço às escolhas individuais.
Essa situação se transformou com o processo democrático instaurado a partir da década de 1970. Desde então, a diversidade religiosa passou a compor cada vez mais a paisagem das grandes cidades. Uma das alternativas ao catolicismo presentes no espaço público português são os cultos afro-brasileiros, principalmente, na região metropolitana de Lisboa, onde a pesquisa foi realizada.
O intuito da tese é demonstrar a partir das controvérsias em torno das práticas religiosas umbandistas no espaço público, mais especificadamente na Serra de Sintra e na Serra da Arrábida, como os pais de santo de quatro terreiros buscavam legitimar-se socialmente e consagrar a Umbanda como uma religião em Portugal. Os esforços dessa legitimação justificavam-se em razão das insinuações de que as práticas religiosas umbandistas se assemelhariam à “bruxaria”, mas também, com menos frequência, das acusações que as mesmas “sujavam” os espaços naturais, compartilhados com outras pessoas.
Assim, ao buscar fugir dos estereótipos de “bruxos” e de “poluidores”, os pais de santo sinalizavam para a construção de uma prática religiosa que tinha origem no Brasil, mas que eram desenvolvidas em consonância com os valores presentes espaço público português. Isso decorre porque o espaço público é concebido de modo dual: ao mesmo tempo que ele é formatado à volta de uma moralidade católica moldada durante séculos pelo sistema de cristandade, ele também se apresenta em conformação com o processo de secularização e laicidade instituído pelo movimento republicano em torno da formação de um cidadão que valorizasse a pátria, o progresso e a ordem social.
O pluralismo religioso português se configura nas últimas décadas como um processo marcado por controvérsias que colocam em questão o modo como a Igreja Católica se relaciona com o Estado, mas também a sua presença legitimada no espaço público. Esse rearranjo das formas públicas de expressão religiosa está diretamente relacionado com o reconhecimento público da emergência de grupos religiosos minoritários, que se apresentam no espaço público, como no caso a Umbanda, reconfigurando os conflitos a partir de uma conjugação entre publicização de suas práticas religiosas e momentos de invisibilidade.
É nesse processo de estar perto e longe dos olhos e dos ouvidos do público que as práticas religiosas umbandistas tentam se diferenciar das “bruxarias” presentes no imaginário público português.