Programa de Pós-Graduação em Antropologia

“Palácios sem reis, democracias sem cidadãos: política, cotidiano e a formação de mercados da exclusão em dois contextos do “sul-global”

Autor(a):

Elizabete Ribeiro Albernaz


Palavras-chave:

antropologia urbana;sul-global;desenvolvimento;desigualdade social;segurança pública;violência urbana;polícia;polícia militar;cotidiano;política;cidade;favela.


Resumo

A tese é resultado de um exercício comparativo de trabalho de campo, conduzido no Brasil, em uma favela situada na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, denominada “Morro do Palácio”, entre 2015 e 2017; bem como na África do Sul, em Maboneng, em um distrito de Joanesburgo, entre junho e dezembro de 2017.

Ele procura explorar as formas cotidianas da política e analisa o funcionamento de estruturas de desigualdades de longo prazo através da observação direta de formas mundanas de mecanismos mais amplos de manejo da pobreza em ambos os países. Como pano de fundo comum para comparação, argumentamos que os dois sítios compartilham um passado “colonial” que os conecta através da perspectiva dos debates contemporâneos sobre o “sul-global”.

Além disso, em ambos os países, no que se refere as estratégias para governar a pobreza e administrar as desigualdades sociais, vem à luz o funcionamento de uma economia discursiva do risco, crítica para a compreensão das forças que organizam a espacialidade e a circulação de pessoas nas duas cidades, produzindo áreas segregadas. Apesar de suas semelhanças, como gostaria de afirmar, essas experiências são distintas em dimensões bastante significativas.

No caso de Maboneng, a idéia de risco, postulada pela relação com seu ambiente “degradado” imediato (i nner city) , serviu de vetor para a instalação de um mercado liberal, abrigado por políticas governamentais de “desenvolvimento urbano” e habitação popular (a ffordable housing). A operação desses mercados (de imóveis, segurança privada, empresas de despejo e outros) produz Maboneng como um espaço segregado “desenvolvido”, um “lugar de luz”, delineado pelas sombras que projeta em torno de si, como uma “favela ao contrário”.

Nesse caso, a convergência do que chamei de “forças de interesse público” – um obscuro ator neoliberal, criado pelo conluio de forças entre o Estado, o mercado e uma ficção capturada de “sociedade civil” – parecia produzir descontinuidades no espaço e no status de cidadania dos sujeitos, com um apoio importante do município de Joanesburgo, mas operando através de uma perspectiva dita “liberal” de mercado. Eu descrevi brevemente a operação mundana desses mercados da minha própria perspectiva da vida diária, enquanto ex-residente de Maboneng, uma “comunidade urbana desenvolvida”.

No caso do Palácio, uma favela do Rio de Janeiro, observei exatamente o oposto. Essa economia política do risco parecia funcionar para impedir, em vez de favorecer, o estabelecimento de um mercado liberal, articulando em seu lugar, através de uma série sistemática de processos de “descreditação”, o que chamei de “mercados de exclusão”, operados principalmente pelo Estado.

Tentei descrever o funcionamento desses mercados como uma série articulada de mecânicas de poder enraizadas no cotidiano do Palácio, explicando sua dimensão política por meio dos empreendimentos de meus interlocutores, suas táticas para tornar sua vida material e moralmente viável na favela, uma área dita “perigosa”, um lugar habitado por pessoas desacreditadas.


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